terça-feira, 23 de dezembro de 2014

eis uma carta de amor

Meu amor... Estava mais que exposta a nossa paixão. Mais que explícito o nosso calor, nosso fulgor de um desejo à dois, três ou quatro. Contudo, a barreira invisível, nosso muro de Berlim, a nossa muralha da dor, a parede, a fronteira nos limita às nossas amarguradas vidas frustradas de sonhos. Limita, parte, rasga e nos condena a querer demasiado o oposto. Daí, propagam-se as cores, as coisas, o cheiro doce do suor, os toques poucos e tímidos da aproximação. É covardia nossa, pouquíssima bravura, fumaça demais pra enxergar nos olhos da razão. O flerte: a conversa fiada do corpo, confesso furor cheio de pudores. Fúria de um pesadelo à dois. Os olhos, a alma, porta da inspiração. Distância. Silêncio. Missões impossíveis. Nossos corpos anseiam a invasão tenra dos fluidos. Ilusionista golpista este amor, este instinto da carne. O anseio de fagocitar o oposto posto em sacrifício ao sangue, ao pó. Tenha a vontade, a coragem que guarda junto ao peito! O que nos nega a liberdade é o mesmo que liberta: nós mesmos. Liberta o que outrora, na gaiola, restara de nós já não deseja voar. Esse frisson é-nos belos a todo instante momento sufocante. Flores-desejos, floreios amantes no papel distante de si. Distante da razão, do aconchego.O brilho, a destreza dos movimentos refletores de emoções cálidas. A dor dos dias enclausurados no vazio-alma. E ócio, dispor de ócio sempre; e canalizá-lo a sofrer, a viver nas sombras e alimentar-se do escuro, embriagar-se das emoções funestas.

Meu amor, não tenha medo. Fuja. Quebre as paredes do tesão. Seja. Respire. Seja outra vez. Mais uma... e mais outra. Seja o sonho, o gozo, a carne, o tato, o trago, a ilusão. Seja este corpo. Seja os nossos corpos. Esteja junto. Veja o que tem em mãos. Entregue-se ao nós, ao que deveria ser de nós. Realize os seus, os meus, os nossos. Foda. Foda. Foda-me. Foda-nos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

a história de nós três

Sexta-feita. Tarde feita de chama. Um sol queima a cuca. Um dois três ônibus. Um tubo fervilhante. Na praça no passo nos encontramos. Um suicídio recente assombra seus transeuntes. Um caminho curto. Testas meladas de suor. Os vocábulos foram rudes, cansados. As frases foram curtas e impacientes. Eram três corpos. Três almas irmãs.

Três desatinos cruzados na areia fina. Três pares de pernas curtas andarilhas de um caminho perdido. Três risadas afogadas nos braços de Iemanjá; imersas neste mar. Três bocas encontram-se fartas. Três. Três: um ímpar-maldito-perfeito.

Três cabeças pensam melhor juntas?

Três desejos apagam-se nos tragos dos cigarros. Três trejeitos. Três transviados de razão. Três que beijam muitos goles deste álcool amargo.

Nestas almas, nestas vidas, eu enxergo, vejo peças frestas frescas perspectivas do barato – “ O mel do melhor” – o desalento tedioso caso d’amor nas cabeças vazias cheias de ócio.

Somos nós, os três. Três dos muitos encontros-perdidos desta cidade-luz. Três destas vidas marginais de sonhos. Três destes que voam além nesta odisséia deste espaço-célebre-cérebro. Três destes muitos sorrisos escassos emersos da boemia. Três destas luzentes cabeças penosas pragmáticas serenas vidas.

Nos três, em nós três, o poeta – o poema-prosa – persiste. Insiste. Teima. Empaca nestas três horas. Três dias. Três beijos. Três minutos bastam.

Três. Três. Três. Seis. Nove luas planetas cometas estrelas alucinadas no ópio.

Sei. Reafirmo, do âmago, esta dor de ser. Reafirmo a tríade errante destes hipotálamos minguantes. Estes três caminhos divergentes que fogem o ordinário-comum destino.

Três sexos pungentes sangrando os dias de luta. Estes que procuram, caçam a redenção de suas próprias vidas. Procuram mergulhar no ócio-louco e fugir o negócio. E que, em certa feita, encontram, cada qual, mais três dentro de si mesmos.