domingo, 24 de julho de 2016

glossário afetivo: antropofagia emocional


  1.  Ato e/ou anseio de devorar, engolir, tragar, chupar, ter, sugar a emoção para dentro de si. Geralmente associado às dores do desejo e paixão exacerbada da vontade carnal num plano superior a razão.
  2. Comer, chupar, lamber, morder, destruir, trucidar objeto fágico. Ter pra si. Respirar do mesmo ar. Ser este ar. Sentir, chorar, dormir, viver e comer emoções vorazmente.
  3. Desejo eufórico pela emoção.
  4. Ser a própria emoção.


ciclos

remoer pensamentos nebulosos
cegar-se com o reflexo do luar
matar heróis cotidianos
dançar com os monstros imaginários
desejar objetos cortantes
negociar com estranhos
beber drinks inconsequentes
dançar nos passos inconscientes
pular penhascos esquizofrênicos
carão para o que não compreende
praticar silêncio coletivo
zombar da caótica lua em câncer
sentar e sorrir com pequenas coisas

verão, 2016

sábado, 14 de fevereiro de 2015

almas deste mar

Que sonhos empacam na areia da praia?
Que deus nos permite sonhar?
Que areia, que água, que mar
repousam meus sonhos?
Que lá são sonhos se não realidade?
Que realidade faz-me duvidar?

- Foi tudo um sonho, acredite.
Diz a voz lá do alto de sua razão.
Diz a voz que a pouco deixou de sonhar.

Hei de ter as respostas
Para inundar-me no sonho-mar.
Acordar do real.
Viver de sonho.

Beber da água salgada;
A água em que os defuntos
muitos vem e vão.
Putrefatos membros dissociados
Salgados
Inchados pelo esquecimento.

Que é a morte se não um grande sonho?
Que é isso se não obliteração?
Que é a vida se não real demasiado?

espelho

o espelho me pune
o espelho revela-me
a verdade.

expõe-me

o espelho mostra-me
a idade
as rugas
e as mentiras

o espelho é a lembrança
da juventude dos meus olhos
a certeza que guarda
minha mente
lá no âmago

o espelho não me oblitera
o passado: ele o afirma fortemente.
queriam ao som
de Cinema Transcendental.
sorriam enquanto
dúvida comia.
pereciam enquanto
a nuca surgia.

mas é que "ver é violar"
e tê-lo já não quero muito.
de tanta dor
já não restam cores.

e Caetano ao fundo
ainda insiste em clamar
os trilhos urbanos
nos dias de passo firme.
Eu sou extremamente seduzido
por essa superfície constantemente gramatical
Daí então as palavras me engolem
Mas o que são palavras se não superfície?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

terrivelmente sensível

Quem dera, queira ser assim
um imenso carro alegórico emocional.
Um ser de alma expansionista
liberta distante abjeta à dor.
Quem dera, queira ser um leão
para jactar-me da fofa juba.
Um vaidoso ser imediatista
egoísta narcisisticamente louco.
Um tiro no escuro
Uma dança com os lobos.
Quem dera, queira ser humano
a dispor de mente, corpo, alma
a dispor de medo à ascendente bravura.
Quem dera, queira existir
gozar do sonho livre
banhar no sexo exposto
do falo
do desterro
do sossego 
do escuro.
Quem dera, queira viver
pra provar de um mel esplendor 
sobrevoar a dor levemente
em nirvana conciso.
Quem dera, queira terminar 
rimar o verso podre e pobre
Quem dera, queira ser grande
e errante ardente
até o mísero ultimo sopro
Quem dera.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

com toda tua natalidade
só peço que cresças
e tenhas a maturidade
de admitir  - e entender -
que a solitude nos basta
que estar só é preciso.

mas nem com verso
nem a razão
tu vês nisto
não, tu não vês
não enxergas
a beleza a pureza
a destreza do íntimo ser
distante de mim.

tenha a coragem
tenha a bravura
tenha a decência
de lidar
de reconhecer
de vencer
o espaço
o ócio
a mente
e a si próprio.

resgate

Eu só queria...
Que este verso
Me engolisse a realidade.
Que tornasse palpável
O drama
O terror
E a poesia
De viver neste corpo
De forjar um sorriso.

E que seja inato
E inabalável
A dor e o sangue.

Para que,
Por fim,
Você venha
E me resgate
Da minha sujeira
Da alegria sujeita
Da tristeza santa
Da pureza manca
Da foda curta

Da mágoa porca.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

eis uma carta de amor

Meu amor... Estava mais que exposta a nossa paixão. Mais que explícito o nosso calor, nosso fulgor de um desejo à dois, três ou quatro. Contudo, a barreira invisível, nosso muro de Berlim, a nossa muralha da dor, a parede, a fronteira nos limita às nossas amarguradas vidas frustradas de sonhos. Limita, parte, rasga e nos condena a querer demasiado o oposto. Daí, propagam-se as cores, as coisas, o cheiro doce do suor, os toques poucos e tímidos da aproximação. É covardia nossa, pouquíssima bravura, fumaça demais pra enxergar nos olhos da razão. O flerte: a conversa fiada do corpo, confesso furor cheio de pudores. Fúria de um pesadelo à dois. Os olhos, a alma, porta da inspiração. Distância. Silêncio. Missões impossíveis. Nossos corpos anseiam a invasão tenra dos fluidos. Ilusionista golpista este amor, este instinto da carne. O anseio de fagocitar o oposto posto em sacrifício ao sangue, ao pó. Tenha a vontade, a coragem que guarda junto ao peito! O que nos nega a liberdade é o mesmo que liberta: nós mesmos. Liberta o que outrora, na gaiola, restara de nós já não deseja voar. Esse frisson é-nos belos a todo instante momento sufocante. Flores-desejos, floreios amantes no papel distante de si. Distante da razão, do aconchego.O brilho, a destreza dos movimentos refletores de emoções cálidas. A dor dos dias enclausurados no vazio-alma. E ócio, dispor de ócio sempre; e canalizá-lo a sofrer, a viver nas sombras e alimentar-se do escuro, embriagar-se das emoções funestas.

Meu amor, não tenha medo. Fuja. Quebre as paredes do tesão. Seja. Respire. Seja outra vez. Mais uma... e mais outra. Seja o sonho, o gozo, a carne, o tato, o trago, a ilusão. Seja este corpo. Seja os nossos corpos. Esteja junto. Veja o que tem em mãos. Entregue-se ao nós, ao que deveria ser de nós. Realize os seus, os meus, os nossos. Foda. Foda. Foda-me. Foda-nos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

a história de nós três

Sexta-feita. Tarde feita de chama. Um sol queima a cuca. Um dois três ônibus. Um tubo fervilhante. Na praça no passo nos encontramos. Um suicídio recente assombra seus transeuntes. Um caminho curto. Testas meladas de suor. Os vocábulos foram rudes, cansados. As frases foram curtas e impacientes. Eram três corpos. Três almas irmãs.

Três desatinos cruzados na areia fina. Três pares de pernas curtas andarilhas de um caminho perdido. Três risadas afogadas nos braços de Iemanjá; imersas neste mar. Três bocas encontram-se fartas. Três. Três: um ímpar-maldito-perfeito.

Três cabeças pensam melhor juntas?

Três desejos apagam-se nos tragos dos cigarros. Três trejeitos. Três transviados de razão. Três que beijam muitos goles deste álcool amargo.

Nestas almas, nestas vidas, eu enxergo, vejo peças frestas frescas perspectivas do barato – “ O mel do melhor” – o desalento tedioso caso d’amor nas cabeças vazias cheias de ócio.

Somos nós, os três. Três dos muitos encontros-perdidos desta cidade-luz. Três destas vidas marginais de sonhos. Três destes que voam além nesta odisséia deste espaço-célebre-cérebro. Três destes muitos sorrisos escassos emersos da boemia. Três destas luzentes cabeças penosas pragmáticas serenas vidas.

Nos três, em nós três, o poeta – o poema-prosa – persiste. Insiste. Teima. Empaca nestas três horas. Três dias. Três beijos. Três minutos bastam.

Três. Três. Três. Seis. Nove luas planetas cometas estrelas alucinadas no ópio.

Sei. Reafirmo, do âmago, esta dor de ser. Reafirmo a tríade errante destes hipotálamos minguantes. Estes três caminhos divergentes que fogem o ordinário-comum destino.

Três sexos pungentes sangrando os dias de luta. Estes que procuram, caçam a redenção de suas próprias vidas. Procuram mergulhar no ócio-louco e fugir o negócio. E que, em certa feita, encontram, cada qual, mais três dentro de si mesmos.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

peixe

imerso
descubro-me extasiado.
mergulho.
e quando afogado,
suprimo
os sentidos.
liberto
as asas-peixe.
nado
e nada-vácuo encontro.
juro e morro
afogado
em mim.

cigarros, um reescrito

de trago em trago
trago a vida
e a inegável eminência
da morte.

de trago em trago
trago em sonhos
o silêncio da dor
de um peito livre

de trago em trago
trago a verdade
exposta à farsa
e o teatro
que é viver

de trago em trago
trago a certeza
do próximo cigarro
acender

por morrer em paz
no silêncio
da minha razão
na dor da afirmação
e na fé da minha luta.